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Tabagismo: fator de risco para o câncer de cabeça e pescoço e muitas outras doenças é um desafio que a saúde pública e a privada precisam vencer

Os programas de cessação do tabagismo são essenciais para ajudar os pacientes que não conseguem cessar sozinhos a sua dependência da nicotina. O tabaco causa e/ou agrava dezenas de doenças, incluindo diversos tipos de câncer e não existe forma segura para o seu consumo.


Dr. Luiz Pereira

Conversamos com o Dr. Luiz Fernando Ferreira Pereira, pneumologista do Câncer Center da Oncoclínicas - BH e coordenador do programa de cessação do tabagismo do Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Confira!


Qual é a relação entre tabagismo e câncer de cabeça e pescoço?

A fumaça do cigarro libera mais de 250 substâncias prejudiciais à saúde e dessas, pelo menos, 60 são cancerígenas. A maioria dos cânceres resulta da combinação de fatores genéticos (hereditários) com fatores ambientais, como a má alimentação, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, poluição, exposições ocupacionais etc. O tabagismo é um grande fator de risco evitável do câncer de cabeça e pescoço, como os cânceres de boca, faringe e laringe.  

 

Em termos estatísticos, quanto o tabagismo é responsável pelos tumores de cabeça e pescoço?

Os tumores de cabeça e pescoço incluem diversos tipos e locais de câncer e quando são excluídos o câncer de pele e o de tireoide, estima-se que 70% estejam relacionados com o tabagismo.

 

Há alguma forma segura de consumir tabaco? Por exemplo, cigarros eletrônicos são menos prejudiciais que o convencional?

Embora a indústria do tabaco insista na redução de danos com novas alternativas de consumo do tabaco ou da nicotina, é preciso lembrar que todos os produtos derivados do tabaco prejudicam a saúde.  Há vários anos foi proibido no Brasil o uso dos termos cigarros leve, ultraleve e light, uma vez que, no longo prazo os malefícios e a mortalidade devido às doenças relacionadas com o tabaco persistam altas, independentemente do tipo de cigarro que a pessoa fumou. Em relação aos cigarros eletrônicos existem muitas discussões se eles representam um avanço ou um verdadeiro retrocesso.  O jovem que começa a usar vapes triplica a chance de iniciar o consumo de cigarros comuns. A maioria dos que passam para os cigarros comuns não consegue cessar o uso dos vapes, devido à manutenção da dependência da nicotina. O apelo tecnológico do cigarros eletrônico e o fato de não liberar fumaça atrai o consumidor, especialmente os jovens. Entretanto o seu vapor branquinho contém quase 2 mil substâncias. Além disso, libera particulados finos, metais pesados e nicotina em maior quantidade do que os cigarros comuns.

 

E quanto ao risco de câncer e cabeça e pescoço em relação ao cigarro eletrônico?

O potencial de risco de câncer devido aos cigarros eletrônicos é alto e são indiscutíveis nos estudos in vitro e em modelos animais. O aquecimento do líquido para gerar o vapor libera substâncias que lesam o DNA e são cancerígenas.  Recentemente foi comprovado que os cigarros eletrônicos causam câncer de bexiga.

 

Em sua opinião é preciso aguardar a prova cabal da ciência em relação ao cigarro eletrônico para tomar alguma providência?

De maneira alguma. Isso seria repetir o erro que cometemos no passado em relação ao cigarro convencional. Demoramos décadas para provar cientificamente a relação do tabagismo com o câncer. Isso aconteceu somente em 1950.  Nós já sabemos que, além do potencial para aumentar o risco de câncer e de causar dependência, os cigarros eletrônicos aumentam tosse, crises de asma, bronquite/enfisema, irritação das mucosas e tem riscos cardiovasculares, incluindo o aumento comprovado da rigidez de vasos. Além disso, eles podem causar lesão pulmonar aguda e grave, manifestada por falta de ar, sintomas gastrointestinais, febre e redução da oxigenação, denominada EVALI. Esta doença já causou milhares de internações nos Estados Unidos da América e mais de 100 mortes. Seu pico de incidência naquele país foi em 2019.

 

A que outras formas de consumo de tabaco as pessoas devem ser alertadas em relação a riscos para a saúde?

Podemos dividir as  alternativas de consumo de tabaco em duas categorias: as com fumaça e as sem fumaça. É importante lembrar que todas são prejudiciais à saúde. O consumo com fumaça pode ser feito por meio do cigarro convencional (artesanal ou industrializado), narguilé,  charuto ou cachimbo. Nessas duas últimas, não há necessidade de tragar a fumaça porque a nicotina é absorvida pela mucosa oral, com aumento do risco de câncer da cavidade oral. Uma das formas de consumo de tabaco sem liberação de fumaça é o SNUS, que é muito usado em alguns países da Europa, especialmente na Suécia.  Os saches do SNUS contendo tabaco umedecido, são colocados na boca, entre a gengiva e o lábio, e a absorção da nicotina é feita pela mucosa da boca.  O SNUS já chegou ao Brasil por meio do comércio ilegal.

 

No Brasil, o tabagismo tem diminuído? Qual é sua avaliação sobre esse tema?

O Brasil é um país exemplo no mundo, onde a carga de tabagismo tem caído, atingimos menos de 10%. O problema é que há muitas maneiras de consumo e a indústria sabe lidar estrategicamente com isso, introduzindo formas alternativas, como o narguilé, o cigarro eletrônico ou o SNUS, para seduzir novos públicos. Em nosso país, é alarmante a adesão ao cigarro eletrônico pelos jovens com menos de 20 anos. A legislação brasileira não permite a comercialização do cigarro eletrônico, mas não proíbe seu uso. A realidade é que o acesso ao cigarro eletrônico é fácil. Ele está disponível em alguns cliques na internet e causa forte dependência. Em relação ao cigarro comum, o eletrônico tem três vezes mais nicotina. O usuário de cigarro eletrônico pode tornar-se dependente mais rápido e intensamente do que o consumidor de cigarro convencional.

 

 

E por falar em dependência, como são os programas e tratamentos?

Há quatro anos eu fui coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia. Além disso, já desenvolvi programas antitabaco para operadoras de saúde e empresas, que estão ativos há mais de 20 anos.  Todos os programas antitabaco têm como base o apoio cognitivo-comportamental, individual e/ou em grupos, combinado com o uso de medicamentos de primeira linha como adesivos e gomas de nicotina, e/ou de bupropiona, um antidepressivo. O tratamento medicamentoso em geral dura três meses. Mas quando necessário pode ser prolongado por mais algumas semanas e até meses. No Hospital das Clínicas da UFMG atendemos pacientes com alta dependência da nicotina, que tem dificuldade para cessar o tabagismo mesmo durante o tratamento de doenças graves tabaco relacionadas como câncer, infarto, enfisema e sequela de acidentes vasculares cerebrais (derrame).

 

O tratamento também está disponível na rede pública?

Sim. A pessoa que deseja parar de fumar pode procurar as prefeituras ou as Unidades Básicas de Saúde (UBS). Além de médicos treinados para tratar a dependência, ele receberá gratuitamente a medicação mais adequada para seu caso.

 

Qual é a efetividade do tratamento antitabaco?

O sucesso dos programas com duração de três meses chega a ser de 50% a 60%. Infelizmente, ao final de um ano, parte dos participantes do programa volta a fumar. Então, consideramos um bom programa aquele que ao final de um ano tem entre 25% e 30% de seus pacientes firmes na decisão de não fumar. É importante ressaltar que esses programas são destinados a pessoas que não conseguem parar de fumar devido a uma dependência muito forte, mas fora desse grupo muito dependente, a maioria consegue deixar de fumar sozinho, principalmente, quando se conscientiza dos males desse hábito.

 

A dependência da nicotina é tão grave como a de outras drogas, como a cocaína ou o álcool?

Segundo a sociedade de psiquiatria norte-americana, a potência da dependência da nicotina é maior que a do álcool e a maconha, se iguala a da cocaína e só perde para a da heroína, o craque e outras drogas muito potentes.  Após uma tragada de cigarro, a nicotina chega no cérebro em menos de 20 segundos e libera dopamina, assim como outros neurotransmissores, que resultam em prazer, bem-estar e relaxamento, um reforço positivo. É um efeito imediato.  Quem fuma 20 cigarros por dia, considerando 10 tragadas por cigarro, recebe 200 doses diárias de nicotina.  É muito difícil o usuário de outras drogas chegar nesse nível de consumo, lembrando que o cigarro é uma droga lícita que pode ser utilizada sem qualquer restrição legal.

 

Com base em sua experiência em programas antitabaco, quais são os principais desafios e dúvidas das pessoas que desejam abandonar a dependência da nicotina?

O primeiro desafio é o grande receio de não conseguir cessar o tabagismo. Eu costumo dizer que ele não tem nada a perder ao participar dos programas. Afinal, se cessar será uma grande vitória em sua vida e se não conseguir ficará tudo como está, mas terá ganhado experiência para fazer nova tentativa no futuro. O segundo grande desafio é suportar os sintomas de abstinência. Esses sintomas duram poucos minutos, têm pico entre um e três dias, dificultam muito a cessação nas primeiras duas a quatro semanas e reduzem progressivamente durante o tratamento. Os principais sintomas são: fissura, ansiedade, dor de cabeça, distúrbios do sono, irritação, tontura, dificuldade de concentração. A decisão firme de não fumar, aliado às técnicas de relaxamento, redução de gatilhos para fumar, as mudanças comportamentais e, quando necessário, o uso de goma de nicotina, ajudam a reduzir esses sintomas desagradáveis. Outro grande desafio é o medo de ganhar peso. Embora alguns fumantes possam ganhar mais de 10 quilos, em parte por substituir o cigarro por alimentos calóricos e manterem-se sedentários, a maioria aumenta apenas de 2 a 4 quilos. É importante ressaltar que todos esses desafios podem ser ultrapassados com orientações adequadas. Durante o programa de cessação do tabagismo, eu costumo dizer aos meus residentes que é preciso transmitir conhecimento, segurança, esperança e principalmente tocar o coração dos fumantes durante o seu processo de cessação.

 

Além dos prejuízos indiscutíveis à saúde das pessoas, que outros impactos o tabagismo traz?

No Brasil, o que arrecadamos com impostos do tabaco equivale a um quarto ou um quinto do que gastamos para cuidar da saúde, com perdas por incapacitação e mortes. Isso reflete individualmente na renda das famílias, não somente com a compra de cigarros, mas com os custos com saúde e a perda de renda com a morte de familiares Então, só do ponto de vista de saúde pública, o tabagismo é um desastre. Para a saúde suplementar também é um desastre porque alguém que por exemplo infartou e continua fumando tem quatro vezes mais chances de voltar a ser internado na unidade coronariana em dois anos. Essa internação custa mais de R$ 100 mil para a operadora. Isso mostra que o Brasil está errado em cuidar mais da doença e menos de prevenção. 

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