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Seleção correta dos pacientes com câncer de orofaringe pode potencializar benefícios do tratamento

Por conta da epidemia de infecção pelo papilomavírus humano (HPV) é crescente a incidência do carcinoma espinocelular de orofaringe (OPSCC). O manejo ideal do câncer de orofaringe em estágio inicial com cirurgia ou radioterapia é uma controvérsia clínica, com escassez de dados randomizados de longo prazo comparando as duas modalidades.



Esta premissa norteou o estudo Randomized Trial of Radiotherapy Versus Transoral Robotic Surgery for Oropharyngeal Squamous Cell Carcinoma: Long-Term Results of the ORATOR Trial, publicado na revista científica Journal of Clinical Oncology (JCO), da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO). Multicêntrico e multidisciplinar, o estudo conta com participação de instituições do Canadá e Austrália.  


Neste estudo, foram selecionados aleatoriamente pacientes com tumores de orofaringe T1-T2 com linfonodos negativos ou com linfonodos cervicais comprometidos com até 4 cm de diâmetro. Eles foram randomizados para radioterapia de intensidade modulada (com quimioterapia em caso de linfonodos comprometidos) ou para cirurgia robótica transoral com esvaziamento cervical (TORS + ND) - com ou sem terapia adjuvante (radio e/ou quimioterapia).


O endpoint primário foi a qualidade da deglutição 01 ano após o término do tratamento, a qual foi avaliada através do score proposto pelo MD Anderson (MD Anderson Dysphagia Index-MDADI). Os endpoints secundários incluíram eventos adversos, outros desfechos de qualidade de vida, assim como sobrevida global e sobrevida livre de progressão. Todas as análises foram por intenção de tratar. Ao todo, participaram 68 pacientes, sendo 34 em cada braço, randomizados entre 10 de agosto de 2012 e 9 de junho de 2017. O seguimento mediano foi de 45 meses.


As análises demonstraram superioridade estatística do braço de radioterapia (RT) ao longo do tempo, embora as diferenças além de um ano tenham sido de menor magnitude. Os autores ressaltam que essas diferenças não atingiram o limite para se qualificar como uma mudança clinicamente significativa em nenhum momento (diferença absoluta superior a 10%).


A conclusão foi que a diferença da qualidade da deglutição entre as abordagens RT primária e TORS + ND persiste, mas diminui ao longo do tempo. Além disso, pacientes com OPSCC devem ser informados sobre os prós e os contras de ambas as opções de tratamento.


O que dizem os especialistas no Brasil?


Para ter um cenário da abordagem clínica no câncer de orofaringe HPV positivo no Brasil o GBCP convidou dois especialistas para analisar o estudo e debater as indicações da cirurgia robótica e da radioterapia. Toparam este desafio o cirurgião oncológico Dr. Renan Bezerra Lira, do Departamento de Cabeça e Pescoço do A.C. Camargo Cancer Center e o radio-oncologista Dr. Diego Chaves Rezende Morais, titular da Oncoclínicas Recife e do Centro de Oncologia de Caruaru, além de membro da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e membro fundador do GBCP. 


Ambas as opções de tratamento se mostraram válidas no cenário de tumores iniciais de orofaringe com excelentes resultados de sobrevida global e sobrevida livre de doença. Na avaliação de Dr. Diego Rezende, no que diz respeito às toxicidades relacionadas ao tratamento, os desfechos de deglutição, dor, trismo e tosse favoreceram os pacientes tratados com radioterapia, enquanto os desfechos de xerostomia, zumbido e perda auditiva favoreceram os pacientes tratados com cirurgia.


“Falando de uma maneira mais genérica, a principal desvantagem da cirurgia é ser uma abordagem invasiva com riscos associados ao procedimento propriamente dito, lembrando que houve um episódio de sangramento grau IV e uma morte por sangramento no grupo da cirurgia e que o estudo subsequente - ORATOR 2 - foi fechado precocemente para recrutamento devido à ocorrência de dois óbitos entre os pacientes operados. Em relação à radioterapia, a principal desvantagem reside na necessidade de idas diárias do paciente (segunda a sexta) para realização do tratamento durante sete semanas consecutivas”, comenta o radio-oncologista.


O cirurgião oncológico Dr. Renan Bezerra afirma que é preciso haver uma seleção bem rigorosa dos casos que vão ser submetidos à cirurgia robótica transoral para que sejam garantidos bons resultados para o paciente. Ele acrescenta que além do estadiamento, deve-se levar em conta nesta seleção os subsítios dentro da orofaringe e características anatômicas do paciente, entre outros fatores. Com isso, é possível garantir margem de segurança e maior possibilidade de boa recuperação funcional. “Como o estudo simplesmente randomizou, sem submeter a esses critérios de seleção, provavelmente alguns pacientes, que não eram bons candidatos à cirurgia, foram submetidos ao procedimento”, opina.


Outro ponto ressaltado por Dr. Renan é que neste trabalho os autores tiveram resultados de complicação e manejo pós-operatório muito divergentes com a atual prática clínica nos centros de referência em todo o mundo. Eles tiveram uma taxa de mortalidade pós-operatória de 3%, que é 10 vezes maior do que o reportado consistentemente na literatura retrospectiva e prospectiva e, até por isso, passaram a recomendar realização de traqueostomia de proteção em todos os casos, algo que é indicado em aproximadamente 6% dos casos nas grandes séries publicadas. “Essas traqueostomias certamente podem ter interferido nos dados de avaliação de qualidade de vida dos pacientes”, avalia Dr. Renan Bezerra.


O radio-oncologista Dr. Diego Rezende observa que outro ponto fraco do estudo é o pequeno número de pacientes randomizados, o que, segundo ele, é algo habitual em estudos que realizam comparação direta de cirurgia com radioterapia. Já a principal contribuição do estudo, segundo ele, reside no fato de que ele traz nível I de evidência de que cirurgia e radioterapia proporcionam resultados oncológicos equivalentes ao mesmo tempo em que ele quebra o “pré-conceito” que habitualmente existe de que a radioterapia é a responsável pela maioria das sequelas relacionadas ao tratamento do câncer de cabeça e pescoço.


“Na verdade, o estudo traz muita luz a essa discussão, pois demonstra, com seguimento longo, que a radioterapia está associada a melhores desfechos de deglutição além de menor incidência de trismo, dor e tosse quando comparada à cirurgia. Esses resultados reforçam que a radioterapia deve ser sempre discutida e oferecida aos pacientes com tumores de orofaringe iniciais e que discussões multiprofissionais são fundamentais e imprescindíveis para definição do melhor tratamento de nossos pacientes”, afirma Dr. Rezende.


Na avaliação de Dr. Renan Lira, com a cirurgia a recuperação é mais rápida, com internação apenas dois a três dias e recuperação pós-cirúrgica em 15 dias. Depois disso, o paciente tem a resolução dos sintomas e sequela funcional discreta ou nenhuma. “Outra vantagem é que o cirurgião tem informação completa do tumor ao ter a peça cirúrgica em mãos. As desvantagens são as complicações cirúrgicas, além da dor pós-operatória em até 15 dias e sangramento, que pode ser fatal em 0,3% dos casos. Em radioterapia, a vantagem é não necessitar de cirurgia, evitando assim o risco de complicações, porém, além de mais demorado, têm potenciais sequelas mais duradoras, como xerostomia e disfagia, que podem inclusive piorar com o tempo”, avalia Dr. Lira.


Outro ponto a ser observado, segundo Dr. Rezende, é que pacientes com tumores de base de língua tiveram scores de deglutição significativamente melhores quando tratados com radioterapia, com diferença absoluta em três anos de quase 15%, sugerindo que esse subgrupo de pacientes tenha um benefício ainda maior quando tratado com radioterapia.


Por fim, o maior nível de concordância entre as duas opiniões consultadas pelo GBCP foi que é essencial haver uma criteriosa seleção dos pacientes através de discussões multidisciplinares e que mais dados prospectivos são necessários para termos maior esclarecimento sobre os melhores critérios de seleção, melhorando assim a individualização do tratamento oncológico do carcinoma de orofaringe.


Referência do estudo:


Nichols AC, Theurer J, Prisman E, Read N, Berthelet E, Tran E, Fung K, de Almeida JR, Bayley A, Goldstein DP, Hier M, Sultanem K, Richardson K, Mlynarek A, Krishnan S, Le H, Yoo J, MacNeil SD, Winquist E, Hammond JA, Venkatesan V, Kuruvilla S, Warner A, Mitchell S, Chen J, Corsten M, Johnson-Obaseki S, Odell M, Parker C, Wehrli B, Kwan K, Palma DA. Randomized Trial of Radiotherapy Versus Transoral Robotic Surgery for Oropharyngeal Squamous Cell Carcinoma: Long-Term Results of the ORATOR Trial. J Clin Oncol. 2022 Mar 10;40(8):866-875.



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