A maioria dos cânceres de Cabeça e Pescoço são derivados do epitélio da mucosa na cavidade oral, faringe e laringe e são conhecidos coletivamente como carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço (HNSCC).
Em uma robusta revisão publicada na revista científica Nature Reviews Disease Primers, o perfil destes tumores é detalhado por pesquisadores da Universidade da Califórnia, Universidade de Arizona e Yale Cancer Center (Estados Unidos), Universidade de Amsterdam (Holanda) e da Universidade de Hong Kong (China).
A revisão aborda as principais etiologias (causas) e perfil epidemiológico de cada subtipo. Os cânceres de cavidade oral e laringe são geralmente associados ao consumo de tabaco, abuso de álcool ou ambos, enquanto os cânceres de faringe são cada vez mais atribuídos à infecção pelo papilomavírus humano (HPV), principalmente o HPV-16.
“Além de abordar estes fatores etiológicos, a revisão também contempla a prevenção primária (como cessação do tabagismo e vacinação contra HPV) e de prevenção secundária (como diagnóstico precoce e de lesões pré-malignas). Além disso, aborda a carcinogênese, aspectos patológicos, diagnóstico e estadiamento e, claro, fala das atuais estratégias de tratamento multidisciplinar”, ressalta o oncologista clínico Thiago Bueno de Oliveira, do A.C.Camargo Cancer Center e membro da diretoria do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço (GBCP) que comenta o trabalho.
Diferenciação dos tipos de HPV
O carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço pode ser separado em HNSCC HPV-negativo e HPV-positivo. Essa diferenciação, explica Thiago Bueno, é essencial, não apenas para melhor entendimento da etiologia do tumor, mas por haver impacto no estadiamento e, futuramente, no tratamento. Isso porque os tumores de orofaringe HPV positivos têm um estadiamento específico na AJCC 8ª edição (edição mais atualizada do Manual de estadiamento deste tipo de câncer). O prognóstico é melhor nos tumores HPV positivos.
Thiago Bueno avalia que, uma vez que a carcinogênese dos tumores HPV positivos é distinta daquela dos tumores HPV negativos, é racional teorizar que poderia haver tratamentos mais personalizados para este subgrupo, como terapias-alvo ou estratégias de imunoterapia específica.
“Tendo em vista o melhor prognóstico dos tumores HPV relacionados, estão sendo estudadas estratégias de tratamento personalizado com intuito de redução de intensidade do tratamento e, consequentemente, de sequelas e morbidade”, afirma o oncologista clínico.
Tratamento diante do diagnóstico tardio
Apesar do conhecimento sobre as principais causas que levam ao câncer de cabeça e pescoço a doença é, na maioria dos casos, descoberta tardiamente. Segundo os autores, em meio a este cenário, o tratamento é geralmente multimodal, consistindo em cirurgia seguida de quimiorradioterapia (CRT) para cânceres da cavidade oral e CRT primária para cânceres de faringe e laringe.
O cetuximabe é geralmente usado em combinação com radiação em HNSCC HPV-negativo, nos quais as comorbidades impedem o uso de quimioterapia citotóxica. O FDA, órgão regulatório dos Estados Unidos, aprovou o pembrolizumabe e nivolumabe para o tratamento de HNSCC recorrente ou metastático em segunda linha e pembrolizumabe como tratamento de primeira linha para doença nesse mesmo contexto. Segundo os autores, esses medicamentos são exemplos dos esforços contínuos que visam integrar o conhecimento da biologia e imunobiologia do HNSCC para identificar biomarcadores preditivos que permitem o surgimento de terapias mais eficazes e menos tóxicas.
Diferencial da pesquisa
Na avaliação de Thiago Bueno, um ponto interessante do artigo é não parar no tratamento, como a maioria dos artigos de revisão. O especialista enaltece o fato de os autores abordarem o seguimento, qualidade de vida e survivorship (seguimento após o diagnóstico, numa perspectiva do paciente, incluindo o enfrentamento da doença e experiências que vão além do câncer). “Esse artigo merece ser apreciado como um todo, pela relevância de seu conteúdo. Aborda temas atuais como biomarcadores, medicina personalizada e conscientização (awareness)”.
Referência do estudo
Johnson DE, Burtness B, Leemans CR, Lui VWY, Bauman JE, Grandis JR. Head and neck squamous cell carcinoma. Nat Rev Dis Primers. 2020 Nov 26;6(1):92.
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