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Como lidar psicologicamente com o diagnóstico do câncer?

O diagnóstico do câncer requer um acompanhamento psicológico. Acolhimento e respeito aos limites de cada paciente são a tônica do trabalho realizado por psico-oncologistas.

cuidado psicológico

Conversaos com Patrícia Campos Christo, psicóloga clínica e psico-oncologista do Cancer Center BH / Grupo Oncoclinicas.


Confira a entrevista a seguir.


Qual é o papel do psicólogo dentro da equipe multidisciplinar, responsável pelos cuidados do paciente diagnosticado com câncer de cabeça e pescoço?


Acho muito importante destacar que a atuação do psicólogo acontece integrada à equipe multidisciplinar e isso faz muita diferença. O paciente com câncer de cabeça e pescoço está com uma doença que ameaça a vida e a integridade física. Muitas vezes o tratamento demanda cirurgias que trazem sequelas estéticas e funcionais. São situações muito delicadas e nossa abordagem precisa ser muito cuidadosa, respeitando o tempo de cada um. Em geral, nosso atendimento psicológico é realizado na clínica, na ocasião em que ele vem realizar os ciclos de quimioterapia. O nosso acompanhamento acontece conforme o protocolo de tratamento que este paciente irá realizar e o psicólogo o acompanha ao longo do protocolo proporcionando o suporte necessário.


E o paciente está sempre receptivo à abordagem do psicólogo?


Em geral, no momento inicial do diagnóstico e tratamento, o paciente recebe o psicólogo, onde obtém o acolhimento e as orientações sobre os cuidados que receberá.


O setor de psicologia irá acompanhá-lo ao longo de sua jornada de tratamento e o vínculo entre psicólogo/paciente é construído ao longo desse período. No momento inicial, às vezes, o paciente é um pouco mais reservado, pois está lidando com uma situação de desafios e com muitas informações de toda equipe multidisciplinar. Assim, muitas vezes, o paciente pode se mostrar mais reservado para falar sobre questões emocionais, que podem estar trazendo medo, oscilações de humor, como aumento de ansiedade, depressão e angústia. E isso é muito compreensível. Ele sabe que terá que passar por um processo terapêutico desafiador, mas lidar diretamente com isso, no primeiro momento, pode ser difícil.


Há algumas particularidades em nossa atuação com pacientes de câncer de cabeça e pescoço. A doença é mais prevalente em homens, embora também ocorra em mulheres. E os homens, mesmo fora do contexto de um câncer, costumam ter mais resistência que as mulheres ao trabalho terapêutico. Isso se intensifica em um momento de fragilidade, como é o caso do diagnóstico de câncer de cabeça e pescoço.


Em sua opinião, por que isso acontece?


Acho que isso acontece, em alguma medida, devido aos padrões culturais da nossa sociedade na qual os homens não se sentem à vontade para falar sobre os seus sentimentos, medos, incertezas. Eles não querem mostrar medos e insegurança para seu núcleo familiar, evitando assim manifestar sentimentos que revelam fragilidade emocional. Outros desafios para alguns pacientes estão na mudança dos hábitos de vida muito prejudiciais a saúde, como tabagismo e etilismo, muitas vezes hábitos que contribuem muito para a origem dos tumores de cabeça e pescoço.


Como você lida com os aspectos psicológicos do paciente no momento inicial do tratamento?


O mais importante é respeitar o tempo de cada paciente, entendo que cada um tem suas particularidades e autonomia para falar sobre suas emoções e história de vida.


Quando ele começa seu protocolo de tratamento, em geral com quimioterapia e radioterapia concomitantes, ele é acolhido e orientado por toda equipe multidisciplinar sobre os cuidados que irá receber, bem como possíveis reações adversas do protocolo de tratamento. No caso do atendimento psicológico, eu aguardo um momento em que ele esteja no box da quimioterapia, às vezes acompanhado por um familiar, e realizo acolhimento e orientações sobre o acompanhamento da psicóloga sempre respeitando o momento que ele está vivenciando e os sentimentos verbalizados.


E como são os próximo contatos?


Eles são realizados, sempre que o paciente chega para os ciclos de quimioterapia. A confiança e o vínculo são construídos aos poucos e como cada paciente é único e tem seu tempo, não há como padronizar essa jornada. E todas as nossas ações acontecem dentro do contexto da equipe multidisciplinar que, entre outros profissionais, conta com enfermeiro, farmacêutico, nutricionista, estomatologista, fisioterapeuta e fonoaudiólogo, todos envolvidos nos cuidados do paciente, buscando manejar reações adversas e qualidade de vida ao longo do tratamento. No caso da psicologia o impacto emocional é grande no paciente e na família e, também, naquele que assume o papel de principal cuidador.


Como você descreveria esse impacto emocional em um paciente que recebeu o diagnóstico de câncer de cabeça e pescoço?


Todos os pacientes têm muito medo. A angústia é muito grande, assim como a ansiedade, que nada mais é do que o medo potencializado. Também há tristeza e pode haver raiva, mas a ansiedade de não saber como será sua vida daquele momento em diante, aliada à certeza de que tudo vai mudar, é o que predomina. É, sem dúvida, uma mudança drástica.


E qual o impacto de tudo isso na família? Ela também pode receber suporte psicológico?


O desgaste emocional é grande para o paciente e para a família. E, dentro do contexto familiar, sempre há aquela pessoa que assume o papel de cuidador principal. Nosso olhar é para o paciente e sua família, sempre respeitando os limites de cada um. Quando percebemos que o parceiro ou parceira do paciente está muito cansada ou cansado, dando sinais de “estresse do cuidador”, convidamos para uma conversa separada do paciente, possibilitando uma escuta ativa e cuidadosa, deixando claro que o cuidado com este cuidador também é muito importante durante todo o processo de tratamento. Além da exaustão, há uma condição de insegurança muito grande em saber como ajudar. Há casos em que a mulher está sobrecarregada e não chama os filhos para ajudarem porque moram longe, trabalham ou qualquer outro motivo. Mas é preciso mostrar que ela precisará dessa rede de apoio para lidar com a situação.


O profissional de psicologia que atua em oncologia precisa de uma especialização?


Acho que o universo da oncologia tem especificidades que precisam ser estudadas para podermos prestar o melhor cuidado para os pacientes. No meu caso, eu tenho duas especializações, que me deram a base do conhecimento. Sou psico-oncologista pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO) e fiz pós-graduação em Oncologia Multiprofissional. Acho a especialização muito importante porque, diferentemente do contexto da psicologia clínica, nós lidamos todos os dias com pessoas que estão vivendo uma doença que ameaça a vida, além de estigmas, como o da morte, do sofrimento, da mudança física em uma sociedade que valoriza exacerbadamente padrões preestabelecidos de beleza. É um universo singular e as especializações são importantes, pois nos capacitam para uma abordagem mais efetiva e uma escuta mais refinada dentro do universo da oncologia.

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