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Cirurgia de câncer de cabeça e pescoço avança, mas o desafio ainda é o diagnóstico precoce

A cirurgia tem papel primordial no tratamento e na cura de pacientes com câncer de cabeça e pescoço. É o tratamento  primário e mais importante para esses pacientes, obviamente, quando indicado no estadiamento adequado.

Dra. Fátima Cristina Mendes de Matos.

Tecnologia robótica, técnica de fluorescência intraoperatória, utilização de linfonodo sentinela. Esses são alguns dos avanços da cirurgia de câncer de cabeça e pescoço pontuados pela presidente da Sociedade Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (SBCCP), Dra. Fátima Cristina Mendes de Matos.


Além disso, a médica também fala de alguns desafios da profissão como a formação em microcirurgia reconstrutiva, que acaba de ganhar um curso com a chancela da SBCCP. No entanto, o diagnóstico de câncer de cabeça e pescoço com doença em fase inicial, quando as chances de sucesso do tratamento são maiores, ainda continua a ser o maior desafio da especialidade.


Confira a entrevista.

 

Qual é o papel da cirurgia no tratamento de câncer de cabeça e pescoço?

A cirurgia tem papel primordial no tratamento e na cura de pacientes com câncer de cabeça e pescoço. É o tratamento  primário e mais importante para esses pacientes, obviamente, quando indicado no estadiamento adequado.

 

Como tem sido a jornada de evolução desse  tipo de cirurgia?

Estamos evoluindo muito e destaco a tecnologia robótica utilizada para os tumores de orofaringe. Foi uma evolução espetacular porque nos permite realizar cirurgias maiores, em um espaço pequeno, com auxilio da visão tridimensional do robô. Esse recurso possibilita ainda uma cirurgia com margens mais adequadas e menor morbidade para o paciente, comparada à cirurgia aberta. Infelizmente, o acesso à tecnologia robótica não é para todos os pacientes.


O robô não está presente em todos os centros e, menos ainda no Sistema Único de Saúde (SUS). Mas sempre que há possibilidade, indicamos a cirurgia robótica para tratamento de câncer de orofaringe e para tumores supraglóticos.

 

Além da cirurgia robótica, mais algum avanço importante?

Um recurso muito importante é a técnica de fluorescência intraoperatória, em que usamos um composto marcador que permite identificar células cancerígenas que se tornam luminosas. Essa técnica auxilia, entre outras coisas, na avaliação da margem cirúrgica e na localização de paratireoides. 


A fluorescência também é útil na realização de reconstrução microcirúrgica e na avaliação da viabilidade da anastomose dos vasos.  Outro avanço é a utilização do linfonodo sentinela para câncer de cabeça e pescoço que nos permite realizar ressecções de linfonodos, linfadenectomia e esvaziamento cervicais menores. Antes o linfonodo sentinela era utilizado apenas para melanoma e, atualmente, já temos protocolos estabelecidos de tratamento de carcinomas epidermóides, o mais comum do trato aéreo digestivo, da cavidade oral e de orofaringe.

 

Como é a relação do cirurgião de cabeça e pescoço com a equipe multidisciplinar que faz parte do atendimento do paciente?

A base da cirurgia de câncer de  cabeça e pescoço é  a multidisciplinaridade. Portanto é muito importante a atuação integrada com as demais especialidades. Isso vale para as especialidades médicas, como endocrinologista, oncologista, radio-oncologista, entre outras, e os profissionais da área de saúde, entre eles, psicólogo, fonoaudiólogo, odontologista, nutricionista, fisioterapeuta. Na prática essa interação é essencial para a qualidade, assertividade e eficiência do tratamento.


O paciente que faz uma cirurgia de câncer de cabeça e pescoço pode ter necessidade de passar por uma quimioterapia e/ou radioterapia. É essencial que o paciente, antes da cirurgia, seja avaliado por um odontologista e trate da saúde bucal. O paciente também vai precisar ser cuidado em função dos efeitos colaterais de seu tratamento e, nessa etapa, contamos com nutricionista, fonoaudióloga, fisioterapeuta, psicólogo, psiquiatras. Todo esse time precisa trabalhar junto.

 

Pacientes com câncer de cabeça e pescoço correm o risco de sequelas muito visíveis na face e no pescoço, comprometendo, inclusive funções como a fala, a visão, entre outras. Em sua opinião, como o médico cirurgião deve lidar com essas questões em relação a seu paciente?

É uma situação bastante delicada e na maioria das vezes, o cirurgião é o primeiro a falar concretamente sobre isso com o paciente. Em primeiro lugar é importante que o paciente esteja acompanhado de um familiar, um amigo, uma pessoa que possa proporcionar mais acolhimento. Além disso, é comum o paciente diante do choque, ter mais dificuldade de compreender as informações e, nesse caso, a presença do acompanhante é fundamental.


Como médica, eu vou falar a verdade, sempre de maneira empática e de modo que o paciente entenda e, paralelamente, já oferecer as possíveis soluções disponíveis para que ele tenha melhor qualidade de vida. Por exemplo, o paciente tem um tumor que está invadindo a órbita e, por essa razão, na cirurgia vai perder o olho. Já informo que ele poderá usar uma prótese. No caso de pacientes que perdem a mandíbula, há microcirurgias reconstrutoras. É muito importante que essa conversa seja realizada sem pressa e que o médico apresente o problema e a solução. Temos que explicar que vai ser uma fase difícil, mas que no final, ele vai ficar bem. Além disso, de acordo com cada caso, devemos encaminhar o paciente para o profissional da equipe multidisciplinar, seja para apoio emocional de um psicólogo ou psiquiatra, ou para a fonoaudióloga, fisioterapeuta, nutricionista que vão ajudá-lo da melhor forma a recuperar funções que serão prejudicadas pelo tratamento do câncer.

 

E quando a perspectiva de cura não é uma realidade?

Infelizmente, muitos pacientes acometidos pelo câncer de cabeça e pescoço, chegam a nós em estado avançado da doença, sem possibilidade de um tratamento que leve a cura. Nesses casos, o caminho é proporcionar suporte emocional e de qualidade de vida, encaminhando o paciente para os cuidados paliativos.

 

No caso de câncer de cabeça e pescoço, quando esse paciente tem uma sequela muito grande, o que a microcirurgia de reconstrução pode fazer por ele?

Temos possibilidades espetaculares em termos de reconstrução de defeitos na cabeça e pescoço. Uma delas são as reconstruções quiméricas, em que você mistura próteses com segmentos ósseos microcirúrgicos. Além disso, há centros que realizam reconstruções microcirúrgicas, que permitem ao cirurgião realizar procedimentos que com a cirurgia convencional não seriam possíveis. Inclusive a Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço  (SBCCP) criou o curso Aprimoramento em Técnicas Reconstrutivas neste ano e demos entrada na Associação Brasileira de Medicina (AMB) para que a microcirurgia reconstrutiva se torne uma nova área de atuação aberta a todas as especialidades que fazem esse tipo de procedimento.

 

Por que a SBCCP decidiu investir na área de microcirurgia reconstrutiva?

Inicialmente, a criação do curso foi motivada pelo objetivo de habilitar os cirurgiões de cabeça e pescoço nas reconstruções microcirúrgicas. É um curso de 12 meses, bastante robusto, com aulas práticas que trazem ao médico a expertise necessária a realização do procedimento. Além do cirurgião de câncer de cabeça e pescoço, o curso atende os interesses de outras especialidades, como ortopedia, neurocirurgia e cirurgia plástica. Temos no Brasil apenas alguns cursos de treinamento disponíveis para cabeça e pescoço. 


As exceções são o novo curso da SBCCP e algumas poucas oportunidades de fellows em centros de referência na área de cirurgia de câncer  de cabeça e pescoço. Com isso, o cirurgião que deseja se especializar em microcirurgia de reconstrução precisa buscar formação no exterior. Por outro lado, grande parte de nossos pacientes de câncer de cabeça e pescoço, cerca de 70% deles, chegam com doença avançada e necessitam de reconstrução pós-tratamento. Há uma demanda reprimida que se intensificou ainda mais com a pandemia da Covid-19. Esse cenário  acaba por criar um déficit desses especialistas e contribuiu para decidirmos montar o curso.

 

Como os médicos de outras especialidades e profissionais de saúde podem contribuir para que o paciente de câncer de cabeça e pescoço seja diagnosticado mais precocemente?

É muito importante que na presença de sintomas, como dor de garganta persistente, lesão na pele ou na cavidade oral, alteração vocal, nódulo no pescoço, entre outros, o paciente seja encaminhado primeiramente ao cirurgião de cabeça e pescoço. Dessa forma, diagnosticamos ou descartamos uma doença oncológica. Se for um cânce, o tratamento é iniciado e se não for, encaminhamos para o especialista adequado. É melhor começar a jornada descartando o pior porque em caso de um câncer cada minuto conta.

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