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Câncer de tireoide: sociedades médicas não recomendam rastreamento. Entenda o porquê?

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Não há indicação para fazer rastreamento de rotina de câncer da tireoide. Entre os motivos está o fato de que o câncer de tireoide, diferentemente dos demais tipos de doenças oncológicas, não se beneficia do diagnóstico precoce.


Dra. Fernanda Vaisman

Ao inserir a ultrassonografia de tireoide na rotina anual de exames, principalmente das mulheres,  cria-se um cenário de superdiagnóstico da doença. “Estamos diagnosticando cânceres de tireoide que não precisariam ser diagnosticados”, afirma a  Dra. Fernanda Vaisman, médica endocrinologista do Instituto Nacional do Câncer (INCA).


Veja na entrevista a seguir.


Dentre as doenças oncológicas, como está posicionado o câncer de tireoide em termos de incidência?

O número estimado pelo INCA de novos casos de câncer de tireoide para o Brasil, em  2025, é de 16.660, sendo 2.500 em homens e 14.160 em mulheres. Em termos de incidência, o câncer de tireoide está entre as cinco doenças oncológicas mais comuns nas mulheres. Sem considerar o câncer de pele (não melanoma), só perde para os cânceres de mama, de cólon e reto, de colo de útero e de pulmão. Ao mesmo tempo que o câncer de tireoide está no grupo dos mais prevalentes para o público feminino, com pico de incidência em mulheres entre 25 e 55 anos, tem características e evolução diferentes dos outros tipos doenças oncológicas. É um tipo de câncer em que os pacientes não apresentam sintomas, como emagrecimento, alteração de paladar,  cansaço, perda de peso ou queda de cabelo.

 

Por que as mulheres têm mais risco de ter câncer de tireoide do que os homens?

De fato, as doenças da tireoide são muito mais comuns nas mulheres. Além do câncer, outras patologias, como hipotireoidismo e hipertiroidismo. No entanto, os estudos científicos ainda não descobriram o motivo.

 

E como esse tipo de câncer é diagnosticado?

Na maioria das vezes, constituem achados de exames de ultrassonografia que o paciente está realizando por outro motivo que não uma suspeita de câncer de tireoide. Ou porque o ginecologista insere o ultrassom de tireoide na rotina anual de exames de sua paciente. Dessa forma, é constatado um nódulo que o paciente não sabia que tinha. São menos frequentes os casos em que o diagnóstico é realizado em um exame clínico em que o médico palpa um nódulo no pescoço.

 

A ultrassonografia é a melhor opção de exame de imagem para diagnosticar um câncer de tireoide?

Em termos técnicos, sim. A ultrassonografia é o melhor exame para o diagnóstico de nódulos na tireoide, apesar  de parecer um exame simples, quando consideramos as tecnologias  de imagem que temos disponíveis atualmente, como a tomografia, a ressonância e o PET Scan. Os critérios que definem a suspeita de um nódulo de tireoide ser benigno ou maligno são baseados na ultrassonografia e o diagnóstico confirmado por punção aspirativa por agulha fina. Vale destacar que a maioria dos nódulos que aparece na ultrassonografia são benignos e entre os que são diagnosticados como câncer predominam tumores com bom prognostico.

 

Quais são as chances de cura de um câncer de tireoide?

No câncer de tireoide mais de 90% das pessoas são curadas, quando consideramos o subtipo mais comum da doença que é o papilífero. O câncer de tireoide apresenta índices de mortalidade extremamente baixos e é uma doença que, em geral,  não demanda tratamentos agressivos. Existem, obviamente, exceções que são tumores com um padrão mais agressivo, que correspondem a menos de 10% dos casos.

 

Vale investir no rastreamento de câncer de tireoide com vistas ao diagnóstico precoce?

Não há indicação para fazer rastreamento de rotina de câncer da tireoide. Entre os motivos está o fato de que o câncer de tireoide, diferentemente dos demais tipos de doenças oncológicas, não se beneficia do diagnóstico precoce.


A ciência já comprovou que , na maioria dos casos, não faz diferença se descobrirmos o tumor na tireoide por meio da ultrassonografia – ainda bem pequeno – ou já aparecendo no pescoço visualmente ou no exame clínico ao palpar a região. Além disso, sabe-se que esses tumores muito pequenos achados na ultrassonografia, em sua maioria não crescem a ponto de se tornarem palpáveis.


O recomendado pelas sociedades médicas é fazer o exame clínico e, se houver o achado de um nódulo, pedir a ultrassonografia. Esse protocolo não traz qualquer risco para a saúde do paciente. No entanto, a comunidade médica, em geral, não adota essa recomendação em sua prática clínica. A ultrassonografia é um exame relativamente fácil de realizar e acaba entrando no “combo de exames de rotina”. Por conta disso,  vemos atualmente um superdiagnóstico da doença. Estamos diagnosticando cânceres de tireoide que não precisariam ser diagnosticados.

 

Qual é a consequência desse superdiagnóstico?

O superdiagnóstico de nódulos de tireoide causa um problema para saúde no mundo inteiro. Muitas vezes é um tumor  pequeno que não vai evoluir e que se não tivesse sido descoberto pela ultrassonografia não traria qualquer prejuízo para o paciente. Mas como o tumor foi apontado no exame, as pessoas acabam fazendo biópsias e cirurgias desnecessárias.


E no caso de retirada da tireoide, o paciente ganha uma doença, o hipotireoidismo, e a necessidade de realizar reposição do hormônio da tireoide pelo resto da vida. Além do risco de complicações da cirurgia como o hipoparatireoidismo (doença causada pela deficiência do hormônio da paratireoide).

 

E como é hoje o tratamento do câncer de tireoide?

Temos várias opções de tratamento e o plano terapêutico estará alinhado ao estadiamento do tumor em que se determina a localização e a extensão da doença. Se for um tumor pequeno, restrito ao interior da tireoide, pode ser que o paciente nem precise de cirurgia. Podemos fazer a vigilância ativa, acompanhando a evolução por meio de ultrassonografia ou no máximo fazer cirurgias parciais. Em cerca de 80% desses casos, o tumor não evolui. No entanto, as vezes o paciente não consegue lidar com a vigilância ativa porque a ideia de ter um câncer na tireoide o assusta. Nesses casos, pode-se considerar a cirurgia.


Se for possível retirar apenas parte da tireoide, a glândula poderá manter suas funções e o paciente não precisará fazer reposição hormonal. Em casos mais raros de doença mais avançada, tumores maiores ou com metástase para os linfonodos, que correspondem a menos de 10% dos diagnósticos, o tratamento é cirúrgico com retirada da tireoide e esvaziamento cervical (remoção dos gânglios linfáticos atingidos pelo câncer).

 

E depois da cirurgia, o paciente precisará se submeter a mais algum procedimento terapêutico?

Depois da cirurgia, se houver suspeita de permanência de algum foco microscópico de câncer no organismo, o paciente poderá realizar a iodoterapia, que consiste em um tratamento via oral, em dose única de comprimido ou xarope.


O paciente fica internado apenas 24 horas para receber a medicação. A maioria dos pacientes responde bem à iodoterapia, mas uma parcela muito pequena pode ser iodo resistente. São pacientes que precisam de um estudo molecular para escolha de uma terapia-alvo. Temos quatro ou cinco tratamentos desse tipo aprovados no Brasil e alguns já cobertos pelos convênios. No Sistema Único de Saúde (SUS), temos apenas um deles disponível.

 

Mais algum tipo de tratamento em desenvolvimento?

Também vem  ganhando força na prática clínica, a ablação térmica com foco em tumores pequenos, os mesmos que podem se beneficiar da vigilância ativa.


Há diferentes tipos de ablação térmica, por radiofrequência, micro-ondas, entre outras. O objetivo da ablação térmica é destruir o tumor com uso de calor e, dessa forma, o paciente preserva sua tireoide e as respectivas funções da glândula. É um método novo que, apesar de promissor, ainda não tem muitos estudos de longo prazo. Portanto, não temos dados científicos sobre as consequências desse procedimento em 20 anos, por exemplo. É diferente da vigilância ativa para a qual já temos grupos, principalmente no Japão, que acompanham o câncer de tireoide há cerca de 30 anos, sem que o tumor tenha evoluído, mostrando que, de fato, esse câncer não precisa de intervenção.

 

Há medidas preventivas exclusivas para o câncer de tireoide?

Apesar de vermos a disseminação sobre dietas da tireoide e outras coisas que prometem prevenir esse tipo de câncer, essas informações não são verdadeiras.


A ciência ainda não descobriu quais são os fatores de risco do câncer de tireoide. Já foram realizados estudos sobre tabagismo, etilismo, microplástico, metal, alumínio da panela, entre outras substâncias carcinogênicas, e todos deram negativo. Mas eu sempre recomendo a meus pacientes a manter um estilo de vida saudável, com alimentação adequada, prática de atividade física, controle do peso, ficar longe do tabagismo e do excesso de bebidas alcoólicas. Certamente são medidas que contribuem como um todo para a manutenção da saúde e prevenção de várias doenças.

 

 

 



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